Sonia Sueli Berti-Santos
 

Subjetividade, sentido e linguagem: a verbo-visualidade e o sujeito

 

 

 

Profa. Dra. Sonia Sueli Berti-Santos (UNICSUL/FACCAMP)

 

 

         A discussão aqui feita é parte do projeto Discurso, Tecnologias e Linguagens: a verbo-voco-visualidade e a relação com ensino, leitura e leitor crítico. Este projeto, em continuidade de pesquisa, visa ao estudo de práticas de leitura, escrita e oralidade, considerando-se a verbo-voco-visualidade em diferentes mídias e esferas discursivas. 

         Este projeto vincula-se à Linha de pesquisa Texto, discurso e ensino: processos de leitura e de produção do texto escrito e falado e ao grupo de pesquisa Teorias e práticas discursivas e textuais, da Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL. Tem como proposta trabalhar a constituição de enunciados que envolvam a verbo-voco-visualidade em práticas discursivas em diferentes mídias objetivando contribuir para a formação de leitores críticos nos diversos níveis de letramento, contribuindo para: i) a formação para a leitura e para a constituição de sentidos presentes nos enunciados concretos por meio dos fenômenos linguísticos, visuais e sonoros que compõem esses enunciados veiculados nas diversas mídias da era digital e também nos impressos, por meio da análise dialógica do discurso, em que, dialeticamente, o social imbrica-se como o ideológico; ii) apontar caminhos teórico-metodológicos para a análise desses enunciados. A base teórico-metodológica centra-se na Análise dialógica do discurso e nos conceitos bakhtinianos e do Círculo tais dialogismo, como tom valorativo, forma, conteúdo, material estético, ético, exotopia, gênero do discurso, axiologia, cronotopia, carnavalização, forma arquitetônica, entre outros, com os quais se pressupõe ser possível realizar um trabalho de leitura e escrita na formação de leitores críticos.

         Dentro do escopo desse projeto, a partir de nossa atuação como docente tanto do programa de mestrado quanto da graduação, encontramos a possibilidade de discutir essas questões com os corpora selecionados pelos alunos para seus trabalhos de pesquisa no âmbito da pós-graduação, com as dissertações e artigos por eles desenvolvidos; e da graduação, em forma de trabalhos de iniciação científica. Se por um lado tratamos dessas questões frente a professores que se aprofundam nas teorias de análise do discurso para um ensino mais efetivo de leitura e produção de textos, com vistas à edificação de sujeitos capazes de produzir e estabelecer de sentidos expressos nos enunciados como forma de atuarem mais significativamente no seu cotidiano; por outro trabalhamos na construção de sujeitos que se utilizarão das questões de língua na produção de enunciados em situação de vida real capazes de mobilizar sujeitos, dialogicamente, em seu fazer profissional.

         Nesta comunicação, partiremos de uma discussão sobre a questão da língua como corpo material que embasa concretamente as ações estruturantes da própria condição de simbolizar (Bakhtin/Volochinov, [1929] 2006, p. 31). Ao simbolizar, retomamos a concepção de signo de Volochinov, entendido como “algo colocado para outra coisa”.

 

Todo produto ideológico é não somente uma parte da realidade (natural ou social) como todo corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo; mas, ao contrário destes, ele também reflete e refrata uma outra realidade que lhe é exterior. Tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929] 2006, p. 31)

 

Como aponta Serriot (2015, p. 81-82), Volochinov concebia muito particularmente a ideologia, definida a partir da muito clássica, dual, da noção de signo: 

 

um objeto, em si, não significa nada, mas é signo porque remete a outra coisa que não é ele mesmo. Desse modo, Volochinov parece tentar reconciliar as posições de Plekhanov e de Lenin: o signo não é outra coisa senão a “ideologia”, mesmo que a do cotidiano. (SERRIOT, 2015, p. 81-82)

 

 Volochinov, segundo Serriot (2015, p. 81-82), definiu em uma única ocasião a ideologia:

 

Compreendemos por ideologia todo o conjunto de reflexões e refrações no cérebro humano da realidade social e natural, expresso e fixado por ele sob forma verbal, de desenho, esboço ou qualquer outra forma semiótica (ČTJ[1]., p. 53, no.5, apud SERRIOT, 2015, p. 8182) 

 

 Para Volochinov, como nos traz Serriot (2015, p. 81) a ideologia é ao mesmo tempo toda s significação, todo conteúdo de pensamento na medida em que são coletivos, conjunto não de ideias, mas de signos que formam o conteúdo da consciência. E aponta, também, que em outras passagens Volochinov entende ideologia como superestrutura como as artes, o direito, a ciência, a filosofia e, finalmente, a própria língua. (SERRIOT, 2015, p.81)

  Assim, o conceito de ideologia mostra-se importante nas construção e análises dos enunciados tratados nos corpora dos alunos.

         Já para problematizar a questão da heteroglossia e da monoglossia da língua, buscamos estabelecer como esses dois conceitos imbricam-se e como a passagem de um para o outro se estabelece, implicando em meios de controle sobre as modalidades de subjetivação dos sujeitos, portanto, em formas de produção de sentidos. Para tanto, discutiremos as questões de língua e política; língua e sujeito de direito; língua de cultura, estéril para os propósitos imediatos de interação com o cotidiano e estratificante e língua viva, nativa, percebida em sua condição real (Bakhtin/Volochinov, [1929] 2006, p. 100) como efeito de cruzamentos entre línguas, de múltiplas hibridações, de heteroglossias. 

         Visamos mostrar como esses conceitos processam-se em enunciados com linguagens verbo-visuais implicadas no discurso jornalístico, ao focalizar a leitura como prática discursiva fundamental na constituição sócio ideológica de um sujeito, além de investigar como o sentido se estabelece e a alteridade do sujeito se evidencia, em reportagens de jornais. Tomamos como base os estudos do Círculo para dar suporte aos estudos das linguagens verbo-visuais. Bakhtin (2003) afirma que o objeto estético pode ser constituído e representado pela linguagem que lhe é própria: em um texto isso se dá pelas palavras; em uma pintura, pelas cores, tipos de traços, distribuição gráfica, desse modo, construindo o objeto concreto. 

 Para desenvolver esta proposta, utilizamos como suporte teórico para a análise dialógica do discurso, na perspectiva de Bakhtin e do Círculo, Marxismo e Filosofia da Linguagem (2006), Do dialogismo ao gênero: as bases do pensamento do círculo de Bakhtin, (Sobral, 2009); Problemas de Poética de Dostoievski [1929] 2002; Questões de literatura e de estética: a teoria do romance (1990); Estética da Criação Verbal (2010); Zandwais, História das ideias: diálogos entre linguagem, cultura e história (2012); Zandwais, Mikhail Bakhtin: Contribuições para a Filosofia da Linguagem e Estudos Discursivos (2005); Serriot, Vološinov e a filosofia da linguagem (2015). 

 

PALAVRAS-CHAVE: Linguagem verbo-visual, Língua viva, heteroglossia; texto jornalístico

 

Referências

 BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010[1952-1953].

 ______. Problemas de Poética de Dostoievski. 3ª. Ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Forense-Universitária, [1929] 2002.

 ______. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução de Aurora F. Bernardini, José P. Júnior, Augusto Góes Júnior, Helena S. Nazário, Homero F. de Andrade, 2ª ed., São Paulo: Hucitec, 1990.

 ______. [1923-24]. O problema do Conteúdo, do Material e da Forma na Criação Literária. IN. ___ Questões de Literatura e de Estética. A teoria do romance. São Paulo: Unesp/HUCITEC, 1993. p. 15 a 70.

 ____[1924-1927]. O autor e a personagem na atividade estética. In Estética da Criação Verbal. (trad. Paulo Bezerra). 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.3-126.

 BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12ª ed., São Paulo: Hucitec, [1929] 2006.

 EMERSON, Caryl. Os cem primeiros anos de Mikhail Bakhtin. Tradução Pedro Jorgensen Jr. Rio de Janeiro: DIFEL, 2003. 

 SERRIOT, Patrick. Serriot, Vološinov e a filosofia da linguagem. (trad. Marcos Bagno). 1 ed. São Paulo: Paráboloa Editorial, 2015. 

 SOBRAL, Adail. Do dialogismo ao gênero: as bases do pensamento do Círculo de Bakhtin. Campinas, São Paulo: Mercado de Letras, 2009.

 


 

[1] Referência à publicação, feita por Serriot (2015, p. 7), em que aparece a definição de ideologia de Volochinov: (Čto Takoe jazyk? [Que é a língua/linguagem?], Literaturnaja učeba, 2, p. 48-66, 1930.