Pedro Farias Francelino

 Relações dialógicas e construção de identidade(s) nas eleições para presidente do Brasil em 2014

 

Pedro Farias Francelino (UFPB)

 

         Nas formulações linguístico-filosóficas de Bakhtin e o Círculo, um dos pressupostos de base, dentre vários, é o de que a língua constitui uma realidade viva e dinâmica, resultante das interações que o falante estabelece com outros parceiros da comunicação socioverbal. Para Bakhtin (2011), o seu emprego [o da língua] ocorre por meio de enunciados concretos e únicos, realizados pelos sujeitos do discurso, nos mais diversos campos de atividade humana. O enunciado é a língua em uso, em mutação, um evento, um acontecimento histórico e social. Essa unidade de comunicação surge, vive e morre no processo de interação social, sem o qual perde seu sentido, sua historicidade. 

         Esta comunicação objetiva analisar a construção de identidade(s) dos candidatos Dilma Vana Rousseff e Aécio Neves da Cunha à Presidência do Brasil nas eleições de 2014, considerando enunciados midiáticos nacionais produzidos durante o segundo turno do pleito eleitoral, compreendido entre o período de 06 a 25 de outubro de 2014, período marcado pelos embates da disputa política já iniciada no primeiro turno das eleições deste mesmo ano. Esta proposta situa-se na perspectiva dos estudos discursivos, particularmente os que consideram a enunciação como processo de produção de sentidos mediante diferentes procedimentos de inscrição do sujeito naquilo que diz. 

         Este recorte insere-se em um projeto de pesquisa maior cujo eixo de investigação são as relações dialógicas e formas de inscrição do sujeito em enunciados verbovisuais produzidos na esfera midiática. Neste projeto, particularmente, atuam os alunos dos Curso de Graduação em Letras da UFPB os quais se encontram em fase de elaboração de trabalho de conclusão de curso. 

         A metodologia adotada na leitura desses enunciados é que se pauta pela descrição, análise e interpretação dos enunciados que integram o corpus da pesquisa, o qual é constituído de materialidades verbo-visuais, sobretudo as veiculadas na mídia virtual, tais como charges, memes, reportagens e capas de revistas de grande circulação nacional, publicadas em suporte impresso e/ou virtual. 

        A base teórico-metodológica que subsidia a análise é a Teoria Dialógica do Discurso, depreendida dos escritos linguístico-filosóficos de Mikhail Bakhtin e Valentin Volochinov, bem como o pensamento de Hall (2015) acerca da noção de identidade, no âmbito dos Estudos Culturais. 

        Para Hall (2015), o indivíduo moderno é fortemente marcado pela fragmentação e pelo deslocamento, isto é, sua identidade é cambiante, a depender dos contextos culturais nos quais se encontra. Para o autor, a ideia de identidade do sujeito como um domínio fechado, centrado, unificado vem perdendo espaço, na modernidade tardia, para uma visão de identidade caracterizada pela descentração, isto porque "[...] um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas do final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais [...]". (HALL, 2015, p. 10).

        Partindo dessa posição, Hall (id.) aprofunda seus argumentos a partir da distinção que estabelece entre três concepções de identidade: 1) a do sujeito do Iluminismo, considerado um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado de racionalidade, consciência e ação ; 2) a do sujeito sociológico, considerado um sujeito não mais autossuficiente, mas constituído nas relações com outros sujeitos; e, por fim, 3) a do sujeito pós-moderno, definido como um sujeito que não dispõe de uma identidade fixa, essencial ou permanente. Nessa última concepção, o sujeito é "[...] formado e transformado continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam." 

        Bakhtin, por seu turno, postula que o sujeito move-se numa esfera extremamente dialogizada, de modo que toda sua atuação [a do sujeito] é orientada para o outro, em relação ao qual ele se constitui. É nas relações dialógicas, manifestadas nas diversas práticas históricas de interação e de usos da linguagem, que o sujeito se constitui e constitui o outro. Essa atmosfera social, como sabemos, é totalmente heterogênea e, por essa, razão, o sujeito que se move dentro dela é resultado dos pontos de vista diversos que circulam nesse espaço social. Consequentemente, toda tomada de posição desse sujeito decorre de sua inserção nesse ambiente multivocal, de forma que sua consciência, seus posicionamentos refletirão e refratarão sempre as posições vigentes da instância sócio-histórica na qual ele se insere. 

         Nesse sentido, a alteridade apresenta-se como um princípio constitutivo do sujeito falante na perspectiva desenvolvida por Bakhtin. Ele é, por natureza, inacabado, incompleto, constituído nas relações com o outro, na medida em que seu discurso se entrelaça com os discursos de outrem. Conforme Bakhtin (2011, p. 294-295), 

 

[...] eis por que a experiência discursiva individual de qualquer pessoa se forma e se desenvolve em uma interação constante e contínua com os enunciados individuais dos outros. [...]. Nosso discurso [...] é pleno de palavras dos outros, de um grau vário de alteridade ou de assimilabilidade, de um grau vário de aperceptibilidade e de relevância. Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos, e reacentuamos. 

        Nosso propósito, portanto, neste trabalho, é o de emprender a leitura dos enunciados propostos a partir do diálogo entre a noção de identidade formulada por Hall (2015) e os postulados bakhtinianos implicados na reflexão acerca da linguagem (principalmente a ideia de alteridade), com o intuito de evidenciar como as identidades dos candidatos à Presidência da República, em 2014, são construídas no discurso midiático mediante um jogo complexo de (re)acentuações e (re)enunicações. As análises preliminares revelam que a identidade dos sujeitos em questão é construída, nos enunciados analisados, a partir de um embate de vozes marcado por uma pluralidade de tons e acentos apreciativos provenientes das diferentes posições axiológicas ocupadas pelos sujeitos enunciadores. 

 

Palavras-chave: Discurso midiático. Relações dialógicas. Identidade. 

 

Referências

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. [Introdução e tradução de Paulo Bezera]. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva & Guacira Lopes Louro. 12. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2015.