Geraldo Tadeu de Souza
 

Em busca da unidade e da unicidade da comunicação dialógica na obra plurilingue 

 

do Círculo de Bakhtin

 

 

 

Geraldo Tadeu Souza

 

(Universidade Federal de São Carlos)

 

 

 

 Um dos grandes problemas para a compreensão ativa da arquitetônica filosóficacientífica da obra do Círculo de Bakhtin é a diversidade de problemas de terminologia que circulam na obra editada em português, que por sua vez são traduções de edições francesas, de trechos de edições americanas, de edições mexicanas, italianas, e, também, traduções diretas do russo. 

  Tal percurso de investigação comparativa da obra na unidade do Círculo e na unicidade de cada um de seus membros abre espaço para relações dialógicas que provocam tensões entre os conceitos e acabam revelando, entre traduções e re-traduções, outras relações dialógicas entre as obras enunciados do Círculo no grande tempo da sua comunicação dialógica. Dentre o conjunto de tradutores da obra do Círculo de Bakhtin para o português, destaca-se o professor Paulo Bezerra, responsável pela tradução direta do russo de Problemas da poética de Dostoiévski (BAKHTIN, 1997); Estética da criação verbal (BAKHTIN, 2003); e Teoria do romance I. A estilística (BAKHTIN, 2015). 

  Em sua tradução de Estética da criação verbal (BAKHTIN, 2003), ele apresenta seu ponto de vista sobre o problema:

  

A terminologia, o acervo de categorias de uma obra é a medula do pensamento aí exposto. Isso requer do tradutor um cuidado especial com as categorias do pensamento, sua uniformidade, seu emprego sistemático, porque disso depende a unidade e a organicidade desse pensamento. Se um conceito ou categoria aparece empregado de forma diferente, perde-se o sentido da unidade e organicidade do pensamento, e a obra se torna ininteligível. Daí a importância do emprego sistemático do sistema de categorias de uma obra (BEZERRA, 2003, p.X).

  

 Podemos perceber em suas traduções o cuidado em explicitar os termos usados, seja em Notas do Tradutor (BAKHTIN, 1997), em uma Introdução (BAKHTIN, 2003), ou mesmo na constituição de um “Breve glossário de alguns conceitos-chave” (BEZERRA, 2015).

  Na sua preciosa Introdução (BEZERRA, 2003), o tradutor dialoga com a edição anterior da coletânea Estética da criação verbal, tradução do francês de Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira (BAKHTIN, 1992), apontando as alterações promovidas em relação aos termos “isotopia” (sic), que modifica para “distância” ou “distanciamento”. Na realidade, há um erro de digitação, pois o termo usado e que continua sendo preferido pelos pesquisadores é “exotopia” (BAKHTIN, 1992, p. 368). O tradutor explica o porquê de uso dos termos “sentido”, “enunciado” e “ativismo”. 

  Chama a atenção no conjunto das traduções de Bezerra, o uso do termo “personagem” no lugar de “herói”. É o que acontece com o ensaio “O autor e o herói”, que passou a ser intitulado “O autor e a personagem na atividade estética”. 

  Se atentarmos para as suas traduções da obra de Bakhtin, verificaremos que em sua tradução de Problemas da poética de Dostoiévski (BAKHTIN, 1997), ele intitula o segundo capítulo do livro como “A personagem e seu enfoque pelo autor na obra de Dostoiévski”, mas na terceira parte do quarto capítulo, “O discurso em Dostoiévski”, retoma a categoria “herói” em “O discurso do herói e o discurso do narrador nos romances de Dostoiévski”. 

  Em sua mais recente tradução, Teoria do Romance I. A estilística (BAKHTIN, 2015), que é o primeiro tomo da coletânea publicada anteriormente como Questões de Literatura e de Estética (A teoria do romance) (BAKHTIN, 1993) em tradução do russo por Bernardini e outros, retomamos uma citação em ambos:

 

A ação e os atos do herói no romance são necessários tanto para revelar quanto para experimentar sua posição ideológica, suas palavras. (BAKHTIN, 2015, p. 125, grifo nosso).

 

A ação, o comportamento do personagem no romance são indispensáveis tanto para a revelação como para a experimentação de sua posição ideológica, de sua palavra. (BAKHTIN, 1993, p. 136, grifo nosso)

  

  Nesta comunicação, procuraremos demonstrar que uma atitude plurilíngue na leitura do conjunto das obras do Círculo pode nos levar a uma compreensão ativa mais complexa de sua unidade e organicidade, seja em torno de uma Filosofia do Ato Responsável e uma Filosofia da Palavra, seja em torno de uma Poética Sociológica e de uma Metalinguística conforme nos revelam as traduções procedentes de uma mesma língua ou de diferentes línguas.

  

Referências

 BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução do francês de Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

 ______. Questões de Literatura e de Estética. Tradução do russo de Aurora Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Editora UNESP; Hucitec, 1993.

 ______. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução do russo de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Univeristária, 1997.

 ______. Estética da criação verbal. Tradução do russo de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

 ______. Teoria do romance I. A estilística. Tradução do russo de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015.

 BEZERRA, P. Introdução. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução do russo de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. IX-XII.

 _____. Breve glossário de alguns conceitos-chave. In: BAKHTIN, M. ______. Teoria do romance I. A estilística. Tradução do russo de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015. p. 243-252.