Anderson Salvaterra Magalhães - UNIFESP

A palavra, os discursos e a dinâmica das memórias

Resumo
Neste trabalho, o objetivo é demonstrar como a trajetória semântico-discursiva do léxico do português no Brasil funciona na construção do senso de vernáculo do Brasil por meio de uma dinâmica de memórias. Para isso, cotejam-se o verbete botocudo do Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa e três instâncias em diferentes esferas em que o vocábulo é atualizado: 1) Diretório dos índios (1757); 2) poema heroico-cômico de António Dinis da Cruz e Silva, O Hissope (1764); 3) Editorial da edição de outubro do Correio Braziliense (1808). Num primeiro momento, com base especialmente nos conceitos de signo ideológico (Bakhtin/Volochínov, 1999 [1929]) e enunciado (Voloshinov, 1988 [1929]), pondera-se acerca da natureza ideológica da palavra, que imprime valor social ao vocábulo, ainda que em estado de dicionário. Num segundo momento, inspirado na noção de memória das línguas (Bakhtin, 2003 [1970-1971]), discutem-se a dinâmica discursiva da significação, que envolve um trabalho permanente de articulação entre significado e sentido, e o potencial semântico de natureza linguístico-enunciativa que dela decorre. A análise dos textos selecionados evidencia dois aspectos relevantes para a compreensão, do ponto de vista dialógico-discursivo, do que está em jogo na construção de uma memória e uma identidade brasileiras. Os valores culturais decisivos para a definição do senso de vernáculo do Brasil refletem e refratam no léxico do português no Brasil embates ideológicos fundadores de discursos da brasilidade, e esses discursos da brasilidade resultam dos sentidos construídos pelas fronteiras de memórias desenhadas na atualização da língua.

Palavras-chave: palavra; discurso; memória; análise dialógica

The word, the discourses and the dynamics of the memories

Abstract
The aim in this paper is to demonstrate how the semantic-discursive trajectory of the lexicon of the Portuguese in Brazil functions in the construction of the sense of the vernacular of Brazil by means of a dynamics of memories. In order to achieve that goal, the dictionary entry botocudo is confronted to three instances from three different spheres of actualisation of the word: 1) Directory of the Indians (1757); 2) the heroic-comic poem O Hissope, from António Dinis da Cruz e Silva (1764); 3) one editorial from the October issue of Correio Braziliense (1808). Firstly, based on the concepts of ideological sign (Bakhtin/Volochínov, 1999 [1929]) and utterance (Voloshinov, 1988 [1929]), it is examined the ideological nature of the word, which conveys social value to it, even when it is in state of dictionary. Secondly, inspired in the notion of memory of the languages (Bakhtin, 2003 [1970-1971]), the discursive dynamics of making meaning, which involves a constant work of articulation between signified and meaning, and the semantic potential of linguistic and enunciative nature that derives from that dynamics. The analyses of the selected texts shows two aspects relevant to the comprehension, from a dialogic-discursive point of view, of what is at stake in the construction of a Brazilian memory and identity. The cultural values decisive to the definition of the sense of the vernacular of Brazil reflect and refract ideological clashes founding of discourses of Brazility in the lexicon of the Portuguese in Brazil. And those discourses of Brazility result from the meaning built by the memories frontiers designed in the actualisation of the language.

Keywords: word; discourse; memory; dialogic analysis